23 de abril de 2018
O Brasil já fez a revolução no agronegócio, tornou-se competidor da indústria da aeronáutica global, criou a moeda estável, passou a praticar os melhores fundamentos macroeconômicos, tudo isso depois de séculos buscando seu rumo. Só ainda não conseguiu construir um sistema bancário em linha com esse projeto desenvolvimentista. Em dado momento, parecia que iríamos resolver a pendência. Vários bancos estrangeiros vieram para cá. A alegria durou pouco. Eles caíram fora.
Temos, hoje, um sistema bancário verticalizado. Os bancos não competem verdadeiramente entre si, nem deixam espaço para a entrada de terceiros. Controlam 94% dos créditos ao setor privado. São donos do mercado. Obtêm resultados realmente fora do comum por meio de spreads elevados (spread é a diferença entre o que o banco paga para obter recursos no mercado e o que cobra do tomador de empréstimos).
O Brasil, segundo pesquisa do Banco Mundial, pratica o segundo maior spread do planeta, superado apenas por Madagascar, um país/ilha situado na costa sudeste da África. O spread brasileiro é sete vezes maior do que a média mundial. Isso vem do fato de que os juros daqui são exorbitantes. Como os bancos disponibilizam pouco crédito, os juros sobem muito além do razoável.
A verticalização do setor é de tal ordem que a câmara em que se faz a compensação de todas as transações financeiras do país foi criada e é controlada pelos próprios bancos. A CIP (Câmara Interbancária de Pagamentos) situa-se no topo da pirâmide da verticalização. É o início de uma diversificada cadeia de produtos e serviços do sistema, como seguros, cartões de crédito, vales alimentação e refeição, financiamentos imobiliários etc.
Recorrendo-se a um exemplo de verticalização que impacta o setor de comércio e serviços, cabe citar o setor de cartões de crédito. Os bancos são os grandes protagonistas dessa cena. Empresas associadas a eles, as denominadas adquirentes ou credenciadoras (donas das maquininhas), controlam 90% do mercado. São a Cielo (do Banco do Brasil e Bradesco), a GetNet (do Santander) e a Rede (Itaú). O banco transfere ao lojista, em até 18 parcelas mensais, o dinheiro --isto é, o recebível-- da venda realizada.
Somando-se os recebíveis do país inteiro, chegou-se no passado ao montante de R$ 842,6 bilhões. Se o lojista quiser fazer um empréstimo, digamos, de R$ 100 mil, ele se dirige ao banco. Solicita o financiamento e oferece como garantia o seu montante de recebíveis do cartão de crédito, que será depositado. O banco não permite, no entanto, que o comerciante use o recebível para buscar taxas melhores junto a outros emprestadores ou, mesmo, que recorra a mais de um banco. Só se pode usar a garantia do recebível com um único banco.
É assim que os bancos agem --de maneira combinada-- com os recebíveis de cartões. O sistema não permite que o lojista busque o empréstimo no mercado, oferecendo as garantias (recebíveis) a um fundo de investimento, por exemplo. O lojista também teria, em tese, a opção de utilizar os recebíveis para negociar, com seus fornecedores, melhores condições de prazo e juros. Os recebíveis estão, no entanto, travados nos bancos.
É esta a verticalização, algo insólito para os padrões internacionais.
Há razoáveis indícios, contudo, de que o país está ingressando na era de mudanças. As diretorias e os técnicos do BC (Banco Central) e do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vêm colocando a lupa nas verticalizações. Passaram a atuar em conjunto, conforme memorando de entendimento formalizado no final de fevereiro, com vistas ao intercâmbio de informações sobre práticas concorrenciais e novas regulamentações.
Iniciou-se a temporada das mexidas no tabuleiro da indústria de cartões. Os bancos ficaram proibidos, a partir de abril do ano passado, de deixar um consumidor por mais de 30 dias no rotativo do cartão de crédito, tendo que oferecer condições mais favoráveis ao pagamento da dívida. Recentemente, o BC impôs um teto na tarifa (taxa de intercâmbio) cobrada ao lojista que usar o cartão de débito do cliente na venda de uma mercadoria. O custo médio que se impunha ao lojista era de 1,5% a 2%. A parcela cobrada pelos bancos não poderá ultrapassar, em cada transação, 0,8%. O padrão mundial é de 0,5%.
Nesta mesma direção, dar liberdade ao lojista para usar os seus recebíveis como garantia, mas não somente para bancos, ampliará a oferta de crédito privado e a concorrência entre os bancos, promovendo-se a simultânea queda de juros, a ativação dos negócios e a elevação dos níveis de emprego.
*Paulo Solmucci é presidente da Unecs (União Nacional das Entidades de Comércio e Serviços) e da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes)
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